A suspensão de garantias em Bouças
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Não pomos em dúvida que fomos bastante crueis, quando no número passado relatamos o escandaloso e jamais visto caso de ser impedido pela auctoridade, um notario, de exercer as suas funcções.
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Fomos crueis, é certo, mas justos.
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O facto deu-se, como foi prome- norisado com rigorosa exactidão, e calaram tão fundo, no animo do sr. Neves de Castro, as considerações que fizemos, que s. exª teve por conveniente dar explicações, no sentido de varrer a sua testada, attribuindo a outros as disparatadas e despoticas ordens transmitidas ao notario ajudante sr. Alexandrino, para impedir que se fizesse um contracto, quando este digno funccionario estava em serviço publico.
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A sua qualidade de notario, a natureza do titulo que se ia assignar e a obrigação que a auctoridade tem, de prestar auxilio para que taes actos não possam ser perturbados, tudo foi explicado aos dois guardas que primeiramente se apresentaram, por ordem do sr. administrador. Por tanto, se os dois guardas, ou quem os mandou, depois d'aquella lição, reconhecido o erro e vendo que lhes devia resultar nulla a sua interferencia para a dissolução da reunião, que havia empenho não se effectuasse, tivessem retirado em boa paz, como o fizeram, mas para não voltarem, tudo teria terminado sem protestos de maior, a não ser qualquer referencia ao policiamento que desde sexta feira se vinha fazendo na rua Direita, com o proposito de incutir medo ao papão.
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Contra toda a espectativa, porém, os guardas voltaram, enormemente aug- mentados, em numero e em bizes, que elles disseram ainda terem-lhes sido ensinadas pelo sr. administrador.
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Vemos pois que os guardas, ou quem os mandou, erraram duas vezes; por conseguinte a responsabilidade da violencia é aggravada com o desprezo manifesto e absoluto da Lei, que nós já citamos no numero passado e que foi indicada aos guardas.
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Damos pois de barato que o sr. administrador não tivesse tido acção directa no assalto ás regalias publicas, para então podermos continuar a manter pelo sr. Neves de Castro a consideração que sempre nos mereceu. Mas apesar d'essa boa disposição d'animo para com s. exª, não podemos nem devemos deixar de o apreciar como auctoridade, que, no caso em questão. se nos apresenta d'uma infelicidade pasmosa; e senão vejamos: O sr. Neves de Castro, mandou ao cavalheiro, em casa de quem se elaborou o contracto a que nos referimos na local do nosso numero anterior, uma contra fé, em que se lhe ordenava, sob pena da Lei, para se apresentar, em determinado dia e hora, na administração do concelho, afim de responder ao que lhe fosse perguntado!
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Quer dizer, aquelle cidadão, que, no uso plenissimo do seu direito, consentiu que em sua casa se authenticasse um contracto, vendo-a assaltada pela força publica e em estado de sitio durante dois dias foi generoso elle e o notario, por terem deixado impunes os auctores de tamanhas violencias e arbritariedades; e corresponde-se a esta benignidade de sentimentos, enviando-se-lhe uma contra fé para ir á administração do concelho ouvir do sr. Neves de Castro algumas explicações (não confundir com satisfações)!!
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Ora, como desejamos continuar a considerar o sr. Neves de Castro, como um cavalheiro, que forma contraste completo com o seu antecessor, por isso lhe vamos pedir que drespreze os conselhos dos alcaiotes que o rodeiam e que proceda sempre guiado e inspirado pelas normas da mais rigorosa observancia do direito publico.
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Se s. exª assim tivesse procedido, escusavamos agora de o accusar por tantas faltas commettidas.
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Sim, faltas e muitas.
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O sr. Neves de Castro reconhecendo que se praticaram abusos da auctoridade, com violencias e vexame para alguns cidadãos, o que lhe cumpria fazer? Procural-os em suas casas, ou convidal-os a comparecer na administração, para lhes pedir desculpa por esses actos violentos que se praticaram.. Em seguida devia mandar proceder a um rigoroso inquerito, para apurar responsabilidades, recebendo assim o justo castigo, quem, abusando da sua boa fé, tivesse atropelado a Lei.
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D'outra fórma, a situação do sr. Neves de Castro, é desgraçada.
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Não auctorizou as violencias, diz, mas tolerou que ellas se tivessem praticado em seu nome, porque deixa impunes os prevaricadores; por isso tanto importa como dizer que assume a inteira responsabilidade dos factos, ficando-nos por conseguinte o direito de manter em absoluto tudo quanto dissemos ácerca de tão extranho caso.
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Mais suspensão de garantias
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Ainda um outro caso de suspensão de garantias.
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A proposito da agressão ao revisor Aguiar, publica o nosso presado collega «Primeiro de Janeiro» a carta do seu correspondente de Matosinhos em que aquelle periodico suppõe expôr a verdade dos factos.
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É extraordinario que a carta do solicito correspondente procure tão cuidado- samente occultar o nome de um dos presos, aquelle sobre quem recahem maiores responsabilidades, ao passo que, muito pressurosamente ven annunciar que as suspeitas da navalhada incidem sobre Joaquim Lameirão que sabemos estar provadissimo não ter tido a menor cooperação no attentado.
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Vindo aquellas informações de fonte limpa, natural seria que o solicito correspondente de Matosinhos communicasse ao «Janeiro» que se acha também preso Alberto Fumega e que até á data só se provou que este e o tal sapateiro que se evadiu foram os agressores do revisor Aguiar, ao passo que o Lameirão, a quem o solicito se refere especialmente, se achava a distancia e não tomou parte na agressão.
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Já vê o solicito que apesar de não sermos da casa estamos melhor informados.
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Isto que deixamos exposto prova-se onde se quizer.
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É difficil de comprehender como se procura fazer recahir sobre um individuo as responsabilidades que cabem a outro.
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Tudo isto revela que a carta do solicito não refrende a fiel expressão da verdade, pois que tem lacunas que não põe o caso tão claro como era para desejar.
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E agora, perguntamos nós. A carta do correspondente de Matosinhos revelará porventura o plano preparado para aliviar protegidos em detrimento de outros?
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Assim parece, pois que apezar de as declarações do preso Alberto Fumega em nada comprometterem o Joaquim Lameirão, provando-se pela acusação dos dois que este último não tomou parte na aggressão, o sr. administrador do concelho continua mantendo a sua prisão.
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No emtanto sempre diremos que não acreditamos que o sr. dr. Neves de Castro tenha a malliabilidade precisa para se prestar a cooperar n'esta perseguição.
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Temos ainda por s. exª bastante consideração para suppôr que a carta do solicito não será o premio do ultimo procedimento policial.
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O Manaças, nos ultimos arrancos
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Na quinta-feira passada, segundo rezam as gazetas, numerosos individuos, procuraram o rev. Manaças, para lhe pedirem a sua cooperação, afim de ser dotado com mais um notario, o concelho de Bouças.
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Está bem de vêr e comprehender - o pedido dos numerosos foi logo attendido!
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E agora temos nós explicada a razão porque se acham suspensas as garantias no nosso concelho. O sr. administrador, de combinação com o rev. Manaças e o candidato a notario, vae prohibindo que o illustrado notario, dr. Mattos, ou o seu digno ajudante, sr. Alexandrino, exerçam as suas funcções, que é para se accumular serviço, por forma a chegar para dois! Que ratões!
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O mais curioso do caso é que no proprio dia em que os jornaes publicavam o extracto da sessão da C. administrativa, inseriam tambem este telegrama:
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«Realisa-se no dia 17 uma reunião de notarios afim de representar aos poderes publicos, em harmonia com as bases constantes do artigo «Reivindicações dos notarios» publicado no nº 20 da revista «Notariado», e que se resume no seguinte: aposentação para os notários e escrivães notarios em vez da substituição que a lei lhes concede; concessão aos escrivães-notarios effectivos e substitutos nomeados antes da reforma Alpoim, do direito que já tinham a ser providos definitivamente como notarios privativos; suppressão dos lugares de notario que tiverem a sua séde á distancia de menos 15 kilometros dos da comarca ou concelho a que pertençam; publicação d'uma nova tabella de emolumentos notariaes e revogação da portaria de 9 de dezembro de 1904».
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Não podia haver melhor nem mais merecido correctivo para quem, na suprema ignorancia da Lei e no desconhecimento absoluto dos seus deveres, dentro da corporação a que tão desastradamente tem presidido, perfilha abusivamente, uma pretensão, que não cabia na sua alçada patrocionar.
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O rev. Manaças está gerindo os interesses do concelho, contra vontade dos municipes, porque, ha um anno, em quatro eleições sucessivas, sempre roubadas escandalosamente pelos seus partidarios, a escolha recaiu sempre n'uma vereação regeneradora.
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Mas abstrahindo mesmo a parcialidade politica da camara eleita, nunca, em boa fé, a Comissão devia emitir parecer, em assumptos, que, só aos legitimos representantes do municipio compete formular.
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De modo que, o rev Manaças, nem ao menos salvou as apparencias, porque, no desmanchar da feira, engendrou um pedido, feito por numerosos individuos no manifesto proposito de crear mais um nicho!!
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Para quem?
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O sr. Sousa Dias, notario eleiçoeiro-môr da Maia, na inactividade por castigo, poderá de certo dar resposta satisfatoria.
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Aguardemol-a pois, até que essa celebre e fatidica comissão vá para as profundas do ... Paraizo, creado para uso do sr. Justino Marques, e aonde este illustrado membro offerece as rabanadas aos seus não menos illustradissimos collegas.
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E que por lá fiquem eternamente gozando essa mansão dos Jus ... tos, são os votos mais ardentes de todos aquelles que se encontram aborrecidos, enojados e até vexados, por verem o concelho de Bouças entregue ha 12 mezes, a toda a ordem de patifarias, tranquibernias, arbitrariedades e abusos de auctoridade.
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Alves Ferreira ... na cadeia
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Começa a degringolade. O premio dos abusos, a medalha dos attentados, começa a pendurar-se da lapella dos emeritos eleiçoeiros que trazem o concelho de Bouças, ha mais d'um anno, n'uma anarchia sem egual.
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A figura principal, que por assim dizer, resume toda a politica progressista de Bouças, depois do advento do ex-administrador, sr. dr. Bianchi, o celebre José Alves Ferreira, acaba de dar entrada na cadeia da Relação do Porto, afim de cumprir a pena de quarenta dias de prisão.
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É para lamentar que este ignobil personagem, de tão triste memoria, tivesse arrastado comsigo um rapaz que, segundo nos informam, não tem o seu caracter formado do mesmo estôfo do do celebre politiqueiro que o dr. Bianchi foi buscar a Ramalde, armando-o com a sua auctoridade.
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Manuel Canedo, o proprietario da typographia Internacional, é mais uma victima das grosserissimas artimanhas do valente caudilho progressista que não nos custa a acreditar que o comprometteu muito de proposito.
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E muito mais para lamentar é, o abandono completo em que os seus amigos o deixaram n'aquella conjunctura difficil e a que o tinha levado a sua imprevidencia.
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A este ponto não deixariam chegar com certeza os seus amigos, os antigos chefes do partido progressista. Honra lhes seja.
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Esta forma nova de fazer politica, compremettendo os seus correlegionarios para os abandonar depois, é apanagio do actual grupo progressista, e foi doutrina que o sr. dr. Bianchi legou em testamento ao deixar esta terra em paz, favorecendo-a com a sua ausencia.
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Começa agora a expiação e seguir-se-ha.
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Fartaram-se de semear ventos, fartem-se de colher tempestades.
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Começou por Alves Ferreira, começou bem.
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De fóra do concelho, não tendo a esta terra ligados os minimos interesses, a que vinha o triste personagem?
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Com que direito, entrava a dentro do concelho a perturbar a paz, a violar as leis e a calcar os direitos dos cidadãos?
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De tantas tropelias que praticou não tem a seu favor a minima attenuante. Nem sequer pôde chamar em seu auxilio e para sua defesa, o calor, o enthusiasmo por uma causa ou partido, que ás vezes cega.
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Não, Alves Ferreira é uma especie de emprezario de eleições, que allicia caceteiros, e que friamente, calculadamente, como quem faz a coisa mais natural d'este mundo, semeia a discordia, calca uma lei e rouba um direito.
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Lá está: Quem lhe preste.
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ILLUMINAÇÃO ELECTRICA
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A proposito d'esta installação, de que está annunciada para breve a sua inauguração, teremos talvez de compulsar o relatorio da Associação Comercial de Bouças, referente ao anno de 1904.
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Muito estimaremos não ser forçados a fazer referencias áquelle relatorio, se bem que elle não foi certamente publicado com outro intuito que não fosse para apontar á posteridade tudo quanto a direcção produziu durante a sua gerencia.
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HUMORISMOS
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Distribuindo consoadas
Visto estarmos no Natal
ponho de parte as chalaças
para todos em geral,
desde o rev'rendo Manaças
´té mesmo o Joaquim Henriques
vir, sem sombra de piada
off'recer-lhes coisas chics
á guisa de consoada.
Ao primeiro offertarei,
como lembrança mimosa,
uma espanhola de lei,
mui gentil e salerosa,
que enxerguei n'uma vitrine,
um certo dia em Lisboa.
Manaças: não se amofine,
é de doce, ... mas é boa!
Ao segundo, que hei-de dar?
Meu leitor, dize lá tu ..
Com'assim vou-lhe offertar
um gordunchudo peru
- com condicções, meus senhores,
que é preciso ter em vista:
as pennas p'r'os redactores
do chorado «Progressista»
Ao Menéres desejo eu
que lhe offerte o coração,
p'ra que deite ao largo o seu
que, em continua afflicção,
ha semanas para cá
o tortura horrivelmente ...
Com esta offerta verá
que melhora in continenti.
Ao Neves de Castro então,
seu amigo e superior,
deixo á sua discrição
escolher o que melhor,
do tal peru, entender
que lhe pode aproveitar.
Veja bem o que ha-de ser:
é facil de adivinhar.
O Quim-Quim dará também
ao amigo Marques Lima
o monco... sim, digo bem,
que é coisa de muita estima.
Deve, porém, repartir
com o mano, coitadito!
um a chorar, outro a rir,
não acha um pouco esquisito?
´Stou mesmo daqui a ver
dizer-me de lá o Quim-Quim:
- Se vou assim a offer'cer
que dêmo fica pra mim?
- Menino, a sua facundia
encerre-a lá na gaveta...
pois basta ficar-lhe a enzumdia
para untar a bycicleta!
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Hoje não 'stou p'ra massadas,
por isso vou terminar.
O resto das consoadas
ha tempo de as entregar.
E já que nasceu o Menino
em Belem, entre os pastores,
Boas festas, boas festas,
a estes NOBRES senhores ...
Frei Elias.
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